Kerouac vs o Meio

Tenho certa dificuldade com a mecânica da escrita à máquina. Gosto mais de estar livre com o carbono de um lápis, não só pelo meu tempo, mas também pelos meus garranchos e desenhos que saem de palavras e letras que se formam a partir de desenhos. Mas se escolhi escrever a vida, não tenho como fugir dessa interrupção de papéis. Trocando o usado, não velho, o que ainda virá a ser, mesmo que já tenha sido, pelo novo, em branco, aquilo que ainda não foi e logo se tornará, também, algo usado com alguma coisa que virá a ser.

Meus olhos sangram de remorso e raiva e paixão e desespero por não entender porque será tão difícil conseguir apenas o básico do comportamento humano mais social de todos os tempos. Tenho certas peculiaridades no amor e algumas crenças me levam a pensar em imensas contradições. Sou capaz de amar loucamente uma mulher durante duas semanas sem sair da cama e em seguida, numa noite qualquer, no meio da terceira semana, abandonar a cama e voltar bêbado no dia seguinte, sem café ou pão pra quem me espera. Nada dura muito em minhas mãos. Parece que quando um apito sopra dizendo “envolvimento”, meus dedos começam a queimar e os olhos da pessoa se envergam e o corpo se torna um sacrilégio o beijo, a porta do inferno e a voz, o próprio demônio falando.

Ao mesmo tempo, existem aquelas que me fazem cair de quatro, aquelas em que toda a vibração das células mais internas do meu coração parecem atraídas, como se fosse o único sentido possível para que parem sua rebeldia. Entrego meus pensamentos a cultuar o rosto, a boca, o corpo, os olhos, a tudo e qualquer coisa que possa representá-la em sua distância, em sua impossibilidade, porque sempre que me deixo quedar em algum tipo de encanto, acabo me ferrando, acabo lotando a pessoa de tanta possibilidade de amor e de carinho que aquilo que mais quero acaba se assustando com o pote tão lotado que carrego comigo. Pareço um sonho, mas acho que também pareço um pesadelo na certa. Até porque muitas dessas me conhecem do que se conta, daquilo que fui capaz de realizar de proeza machista e insensível.

Vou de um extremo ao outro. Quando tenho o que desejo, o objeto daquilo me sufoca e eu esquento como o sol e queimo aquela possibilidade, explodo com o carinho do próximo. Se não consigo aquilo que possuo, se passo noites a confabular planos de conquista e me passo como um adolescente romântico, me estatelo, esfrio, congelo. Ainda não consegui encontrar no caminho um poço que me diga o que é preciso fazer para preferir o meio termo, como falar para meu ser que não é preciso ficar entre o céu e a terra, apenas. E sim, entre o céu e a terra.

Desejo aquela que o não-desejo deixar.

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