Kerouac Vs Mr. President

Acho muito estranho quando a gente passa do limite de solitário vagabundo para alvo de um brilho frouxo para os jornais e a TV e, necessariamente, para aqueles que seguem cegamente esses tipos de gurus. Sinto-me sendo sugado cotidianamente por câmeras e lápis e blocos rabiscados. Minha alma sai de mim e vai direto para a confusão que esses caras fazem a respeito do que escrevi ou falei. É difícil ter em uma resposta, ainda mais uma que seja exatamente como aquela que se encaixa naquilo que esses ursos que controlam tipos e botões querem que você diga. Porra, se já têm resposta, por que tantas perguntas tolas?

Era sábado e eu estava bêbado. Não que isso seja algo especial dos sábados, mas é que nesse dia, mais da metade das mentes e dos corpos da América dirigem seu espírito para uma caixa que solta um luz azul e fala um monte de maneiras de se dar bem na vida e de como é simples querer ser feliz nesse mundo. Eu prefiro escapar disso bebendo por eles. Houve um tempo em que rezava, mas acho que perdi a fé no meu poder de remover montanhas dos olhos dos transeuntes nessa vida. Apesar disso, estava naquele tal sábado, justamente, em um estúdio de TV por conta da porra de um livro ter arrastado milhões de putos novos para as estradas, para as drogas e para o sexo livre, completo e sem amor exclusivo. Há pelo menos 4 anos venho tentando dizer a todo mundo que o beat é algo especial e que está fora do que se encontra normalmente nesse país. É difícil ser americano legítimo e entender que algo pode ser de várias formas. Enfim… as pessoas gostam de se alimentar de ilusões, é um tipo de premissa humana para inflar de forma falsa o próprio ego, subir sua vaidade pelas paredes. E a mídia se não é um forma complexa de fábrica de mundos fantasiosos, pelo menos parece uma lojinha de doces do tio Sam vendendo felicidades efêmeras, que não custam nada, mas vão te fazer voltar no dia seguinte.

Estava em um camarim com luzes e assistentes gostosas, bebendo e fumando e falando um monte de asneira, quando, inesperadamente, vi a porra de um sorriso que conheço há muito tempo. Quer dizer, nem tanto assim, mas de tanto passar na TV me pareceu que já tinha visto aquilo antes mesmo do tempo. E não era a boca aberta mundana de qualquer pessoa que simplesmente expõe os dentes. Era o sorriso mais importante desse país, o mais imponente conjunto de dentes da América. E ele entrou, assim mesmo, meio sem graça, parecia estar fugindo de si, do personagem que ele mesmo era e queriam que interpretasse. De súbito, me viu, apagou o sorriso, fechou a porta por dentro e me disse: “Oi, é, sou eu mesmo, tudo bem?” Ele havia notado o meu espanto, não consegui botar o copo na boca de novo. “É… oi, John, quer dizer… Jack, prazer”. “Rá, eu sei quem é você. Andei lendo a seu respeito” – comecei a ficar paranoico, “É?”. “Sim, somos conterrâneos, também nasci e cresci em Massachusetts”. “Sei, não voto mais por lá”. “Não me importo, cara. Sei que não parece normal, mas será que posso tomar um gole da sua garrafa?” “Fique a vontade senhor presidente”, disse rindo de mim mesmo pela situação. “Sabe, retomou, gosto muito de como relata suas experiências, principalmente, quando pensa nos costumes americanos. Sou católico como você, pra mim é difícil olhar para a vida mesma forma. Não me sinto um espírito raro, com uma dádiva enviada por sei lá quem e para fazer sei lá o que por cima daqueles que não são agraciados.” “Bom, senhor, não sei se penso assim, exatamente.” “Por favor, pare de me chamar assim, aqui somos dois bebedores de whisky, apenas isso. Estou falando isso porque acho que muita gente metida a besta nesse país acha que somos um povo escolhido ou que só porque o cara tá podre de rico ele é enviado de Deus. Mas as pessoas estão tão loucas que, mesmo que isso seja verdade, elas só querem saber de si mesmas ou de nós.” “Nós!?”. “É, de mim e de você. Mandei fazer uma pesquisa e disseram que eu e você somos os sujeitos mais amados e os mais odiados nesse país. Paradoxal, não?!”

Provavelmente, foi por conta dessa pesquisa que o puto do diretor de programação nos colocou lado a lado. Demorei um tempo também para sacar que ele estava era fugindo de si naquele momento. Achei mesmo que era um conversa do tipo “você está fudendo esse país com o seu livro, os pais estão me enviando cartas e pedindo para te condenar pelos atos de seus filhos”. Mas qual é realmente a minha responsabilidade pelo aquilo que carregam depois de me encontrarem? Nunca escrevi nada para me tornar um guru, pelo contrário, escrevi porque não sei fazer qualquer outra coisa a não ser botar para fora as minhas memórias loucas e sei muito bem que não é lá muito sadio querer viver isso sempre – ter uma vida espontânea e sem limites. A cada dia que passa, a cada ano e reportagem que me entregam, fico cada vez mais infeliz de ter feito da minha vida, uma estrada sem fim sem um cruzamento concreto. Não quero que me idolatrem, que beijem minha mão ou que ofereçam seus corpos, não sou nada além de um lamento. Sou como todos, de osso e merda, nada mais. Esse sujeito também. Apesar de colocarem o personagem presidente como o mais importante da América, ele e eu sabemos muito bem que isso não passa de bobagem, de mera formalidade, pois os tubarões agem na moita, mordiscam, mordiscam e nunca são vistos. Gostaria mesmo de ter sido um desses que não precisam ficar contando a mesma história sempre.

Deixe um comentário