Kerouac Vs Bukowski

Na América, quando você acha que é o único que está percebendo alguma coisa, se sente como se fosse um rei. As mulheres deixam de ser misteriosas, as ruas são iluminadas por cada passada que damos e qualquer fodão que aparece na sua frente se transforma num verdadeiro otário. Todavia, quando você descobre que tem um monte de maluco pensando da mesma forma, de duas uma, ou você pira de vez e se entrega ao deserto, ou então se alia a eles.

Em fevereiro de 53 estava completamente duro e muito longe de qualquer lugar seguro. No meio do Colorado e fugindo alucinadamente de Denver – alguém disse a alguém que eu estava tendo encontros com a garota de outro alguém. Esse último resolveu fazer a prova dos nove e acabou acertando o resultado: me pegou em cima da sua janta. Consegui sair do hotelzinho ferrado do subúrbio com a cueca na mão e uma blusa de algodão. Por pouco não tive meu corpo perfurado. A menina, Ella, parece que recebeu sua punição e continuou feliz ao lado do marido, o grande papai gordo.

Indo na direção do deserto, ainda de madrugada, consegui algumas roupas que estavam num varal alheio e pude me cobrir adequadamente para tentar uma carona. O coroa que parou o carro me levou para uma cidadezinha pequena, conhecida como a meca dos caminhões do Colorado, Wingtown. Acho que ele não gostou muito do meu cheiro, pois continuou a viajar, mas não me levou junto. Quando paramos perto de um posto de gasolina fui dar uma mijada e na volta o velho já tinha partido. Dali consegui uma carona até Mont Daily e lá encontrei pela terceira vez na minha humilde e miserável vida, o sujeito mais parecido comigo e com Dean ao mesmo tempo. Ele não se parece comigo, ele não se parece com Dean. Ele só se parece com uma amálgama. É, muitos irão ler isso como se fosse uma loucura, porém é a mais verdadeira das alucinações. Esse cara é tanto eu, um literata que observa a vida de forma delirante e diletante e ao mesmo tempo, possui a selvageria e a atração fatal pelo mal-feito e pelo sexo a todo custo, os mesmos princípios do prazer que pulsa no maldito Dean Moriarty. Também é um poeta, também é um sujo. A porra de um maldito como nós dois. Entretanto, por ser a nossa junção, acaba que não consegue ser nenhum de nós dois, é incompleto, asqueroso, teimoso, louco.

Ele estava na fila de empregos para uma lavanderia na cidade. Eu também estava ali porque tudo parecia sem qualquer sentido, queria logo poder voltar para o meu quarto de proletário em Ozone Park. Estava de saco cheio de ser o maior andarilho da América. Logo que entrei, ele me viu, mas fez questão de se aborrecer por encontrar alguém conhecido naquelas bandas. Fechou a expressão e ficou em silêncio como se eu fosse uma alma penada, como se eu não estivesse ali.

O desespero que assolava aquela ânsia pra sair dali me fez ter a visão de alguém que sem qualquer perspectivas no estrangeiro, quando encontra algum conterrâneo, sente-se fortemente associada a este. Assim, no meio de tudo aquilo, encontrei forças para vencer meu orgulho e lhe dirigir a palavra. Na última vez em que nos encontramos, havia sido de certa forma tensa. Uma de suas garotas estava de caso com um chapa meu e ele quis resolver a semvergonhice dela no tapa. Quase tive que ser indelicado com sua pessoa. Por bem, acabamos todos bêbados e ouvindo bebop em LA. Henry é um grande poeta que poderia se dar melhor do que qualquer um, já havia perdido qualquer pedaço de compaixão pelas outras pessoas e por isso, não dava a mínima para ser ou não conhecido em todo o país (o meu caso, por exemplo). Sentia-me um menino quando percebia que meu objetivo era de ser lido. O dele, na verdade, era ter um pouco de grana para continuar bebendo e apostando nos cavalos. Ele logo me reconheceu também e foi inadvertidamente mirando para o meu bolso da camisa (que havia roubado do varal em Denver). Acenou com a mão e me chamou como quem chama uma garçonete bonita. Estávamos separados por umas oito pessoas que também tentavam o emprego.

– Olá, como vai senhor iluminado?

– Ah, para com isso Henry Sujo, isso foi papo de maluco, estávamos todos em outra dimensão… hehehe

– Não sei, Jack, mas penso que em determinados estados mentais, somos mais sinceros e divinos do que quando sóbrios. Tem um cigarro?

– É, pode ser, fui tirando um pouco de fumo do meu bolso e pegando um papel para enrolar, já ouvi dizer que alguns mexicanos tentam alcançar alguma coisa consumindo peyotes no deserto.

– Bom, não me importa. Pelo menos agora isso só se parece com conversa de bêbados! O que está fazendo perdido um poeta como você, no meio do nada e ainda, procurando emprego?!

– A história é longa, mas talvez sempre a mesma. Chega uma época em que o homem cansa de vagar e precisa se recolher em sua caverna.

– Entendo… dá uma tragada, aperta os olhos, mira na direção que me ultrapassa, sabe, eu também estou farto dessa vida ordinária. Já até pensei em colocar uma pedra no meu pescoço e deixa Deus decidir por mim. Porém, eu sei que essa não é a solução, ainda quero que alguém possa descobrir as minhas sacanagens e fazer um bom bocado de pessoas se chocarem com as sujeiras da minha mente.

– Olha, sempre achei que você não tivesse um propósito na escrita. Vejo que tem mudado suas posições. Quer ser famoso agora?

– Não, meu caro. Muito longe disso, penso em destruir aqueles que almejam ser alguma coisa. Pois, tanto eu quanto você sabemos, que quem É, não precisa de ninguém para falar que é. É e simplesmente é, basta.

– Tudo bem, mas destruir…

– Ridicularizar, fazer desistir, humilhar os sentimentos da pessoa que acha que essa vida só é alegre quando tem alguém babando o seu ovo. Jack, quer saber, quero ficar aqui porra nenhuma, vamos tomar uma cerveja na birosca ali do lado?

– Po, não vai dar, quero conseguir esse emprego, preciso me mandar para Nova York.

– Então a gente se ver! Será que você não me arruma mais um destes?

– Claro, serve ai, aqui tem papel também! Falou, até a próxima.

– Ok!

E de lá saiu o maior viciado em bebedeiras da América. E eu fiquei esperando a vez de me chamarem e trabalhei ali duas semanas, o suficiente para juntar dinheiro e voltar para casa. Henry apareceu em uma outra noite, estava completamente louco e sublime, nunca vi alguém tão bêbado conseguir cantar a mulher mais linda da cidade com tanta facilidade, quem pudera se eu fosse assim!

Um comentário sobre “Kerouac Vs Bukowski

  1. só sinto falta do estilo livre do kerouac (gott) nas simulações, mas de resto o site se mostrou bem interessante (:

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